Hoje vou postar a tradução de um conto, da querida Kate Chopin, que encontrei na internet.
Logo abaixo do texto a minha singela opinião para vocês.
A Liberdade Roubada por Fernanda Graciosa Botelho
Sabendo que a sra. Mallard tinha um problema de coração, tomou-se um grande cuidado para dar-lhe a notícia, da melhor maneira possível, sobre a morte do marido.
Foi sua irmã Josephine quem lhe contou, usando frases incompletas e dicas ocultas que se revelaram por meias-palavras. O Richards, amigo de seu marido, também estava lá, perto dela. Foi ele quem recebeu a notícia, lá no jornal, sobre o desastre na ferrovia, o qual apresentava o nome de Brently Mallard no topo da lista de “mortos”. Teve tempo, apenas, de se convencer da veracidade do ocorrido por um outro telegrama e apressou-se para ser ele a dar a triste notícia à esposa do amigo.
Ela não ouviu a história como as outras mulheres: com enorme dificuldade em aceitar o que aquilo significava. Ela chorou nos braços de sua irmã, com um grande e repentino sentimento de abandono. Quando aquela chuva de lágrimas terminou, a sra. Mallard retirou-se para o quarto. Ela não quis que ninguém a seguisse.
Sentou-se numa poltrona grande e confortável que estava voltada para a janela. Afundou nela, sentindo a pressão da exaustão física que consumia o seu corpo e parecia alcançar a alma.
Ela via, na praça em frente à sua casa, árvores repletas de vida, indicando a primavera - com aquele cheiro gostoso de chuva no ar. Numa rua abaixo, um vendedor ambulante falava alto, para vender as suas mercadorias. Ela ouvia vagamente as notas de uma música que alguém cantava à distância e ouvia também vários pardais cantarolando no beiral.
Havia manchas de céu azul aqui e acolá, por entre as nuvens que haviam se encontrado. Empilhando-se umas sobre as outras no lado esquerdo da janela.
Sentou-se com a cabeça apoiada na almofada de sua poltrona, quase que imóvel. Exceto quando vinha um soluço e fazia-a mexer feito uma criança que adormecera chorando e continuava a soluçar em seus sonhos.
Ela era jovem, com um rosto angelical cujas linhas refletiam repressão e até uma certa força. Mas, agora, havia um olhar vazio em seu rosto, cujos olhos fixavam-se ao longe, numa daquelas manchas de céu azul. Não era um olhar de reflexão, mas sim, um olhar sem conteúdo.
Havia algo chegando para ela, e ela o esperava receosa. O que seria? Ela não sabia: era muito sutil e evasivo para nomear. Mas ela o sentia aproximando-se pelo céu, através do som, do cheiro e das cores que preenchiam o ar.
Agora, seu peito arfava desordenadamente. Ela estava começando a reconhecer o que se aproximava para possuí-la e, com todo o seu ser, esforçava-se para combatê-lo – tão ineficaz quanto as suas mãos finas seriam. Quando ela desistiu, seus lábios entreabertos deixaram escapar uma palavra, que foi repetida muitas vezes.
-- Livre, Livre, Livre.
O olhar vazio e aterrorizado se foi. Seus olhos tornaram-se alertas e brilhantes. Sua pulsação era rápida e seu sangue fervia, relaxando cada parte do corpo.
Ela não queria saber se aquilo era ou não uma enorme alegria que a envolvia. Com uma percepção clara e exaltada, ela descartou essa possibilidade. Ela sabia que choraria de novo quando visse aquelas mãos delicadas e generosas recolhidas em seu leito de morte, aquele rosto que nunca ficara bem com outro amor além do dela, que agora estava imóvel, pálido. Mas ela enxergava muito além daquele momento de dor; um longo período de anos que pertenceria somente a ela. Com isso, a sra. Mallard abriu os braços para dar-lhes as boas-vindas.
Não haveria mais a quem se dedicar: ela viveria somente para si. Não haveria outro desejo além do dela competindo para ser realizado, como acontece com homens e mulheres que acreditam ter o direito de impor o seu próprio desejo ao do companheiro. Tenha ocorrido o fato por boa ou má intenção, este lhe pareceu um crime como outro qualquer até mesmo naquele momento de luz.
E, ainda assim, ela o amara... algumas vezes. Freqüentemente, não. O que isso importava?! O que o amor, o maior dos mistérios, poderia valer naquele momento de auto-afirmação, que reconheceu ser o mais forte impulso de sua vida.
-- Livre! De corpo e alma, livre! – ela continuava a sussurrar.
Josephine estava ajoelhada do outro lado da porta, com os lábios grudados na fechadura, implorando para entrar.
- Louise, abra a porta! Eu lhe imploro! Abra a porta! Você vai fazer mal a você. Louise, o que você está fazendo? Pelo amor de Deus, abra a porta!
- Deixe-me! Eu não estou me fazendo nenhum mal! – Não, ela estava bebendo o elixir da vida através daquela janela aberta.
Sua imaginação corria solta sobre aqueles dias que viriam. Dias de primavera, verão... todos os dias seriam só dela. Ela pediu rápido e baixinho que sua vida fosse longa. Ontem mesmo, ela pensara, com um jogo de ombros, que sua vida poderia ser longa.
Levantou-se e abriu a porta para a sua irmã entrar, depois de tanto importunar. Havia um brilho de vitória em seu olhar e ela se portava como uma verdadeira vencedora. Ela abraçou a cintura da irmã e, juntas, desceram a escada. Richards estava esperando por elas ao término dos degraus.
Alguém estava abrindo a porta da frente com a chave principal. Era Brently Mallard, quem chegara - um pouco sujo e amassado pela viagem, carregando o seu saco de roupas e um guarda-chuva. Ele esteve longe do local do acidente e nem sabia que tinha ocorrido um. Impressionou-se com o choro convulsivo de Josephine e o movimento rápido de Richards para escondê-lo da esposa.
Mas Richards demorou muito.
Quando os médicos chegaram, falaram que ela morrera do coração, de tanta emoção.
Sabendo que a sra. Mallard tinha um problema de coração, tomou-se um grande cuidado para dar-lhe a notícia, da melhor maneira possível, sobre a morte do marido.
Foi sua irmã Josephine quem lhe contou, usando frases incompletas e dicas ocultas que se revelaram por meias-palavras. O Richards, amigo de seu marido, também estava lá, perto dela. Foi ele quem recebeu a notícia, lá no jornal, sobre o desastre na ferrovia, o qual apresentava o nome de Brently Mallard no topo da lista de “mortos”. Teve tempo, apenas, de se convencer da veracidade do ocorrido por um outro telegrama e apressou-se para ser ele a dar a triste notícia à esposa do amigo.
Ela não ouviu a história como as outras mulheres: com enorme dificuldade em aceitar o que aquilo significava. Ela chorou nos braços de sua irmã, com um grande e repentino sentimento de abandono. Quando aquela chuva de lágrimas terminou, a sra. Mallard retirou-se para o quarto. Ela não quis que ninguém a seguisse.
Sentou-se numa poltrona grande e confortável que estava voltada para a janela. Afundou nela, sentindo a pressão da exaustão física que consumia o seu corpo e parecia alcançar a alma.
Ela via, na praça em frente à sua casa, árvores repletas de vida, indicando a primavera - com aquele cheiro gostoso de chuva no ar. Numa rua abaixo, um vendedor ambulante falava alto, para vender as suas mercadorias. Ela ouvia vagamente as notas de uma música que alguém cantava à distância e ouvia também vários pardais cantarolando no beiral.
Havia manchas de céu azul aqui e acolá, por entre as nuvens que haviam se encontrado. Empilhando-se umas sobre as outras no lado esquerdo da janela.
Sentou-se com a cabeça apoiada na almofada de sua poltrona, quase que imóvel. Exceto quando vinha um soluço e fazia-a mexer feito uma criança que adormecera chorando e continuava a soluçar em seus sonhos.
Ela era jovem, com um rosto angelical cujas linhas refletiam repressão e até uma certa força. Mas, agora, havia um olhar vazio em seu rosto, cujos olhos fixavam-se ao longe, numa daquelas manchas de céu azul. Não era um olhar de reflexão, mas sim, um olhar sem conteúdo.
Havia algo chegando para ela, e ela o esperava receosa. O que seria? Ela não sabia: era muito sutil e evasivo para nomear. Mas ela o sentia aproximando-se pelo céu, através do som, do cheiro e das cores que preenchiam o ar.
Agora, seu peito arfava desordenadamente. Ela estava começando a reconhecer o que se aproximava para possuí-la e, com todo o seu ser, esforçava-se para combatê-lo – tão ineficaz quanto as suas mãos finas seriam. Quando ela desistiu, seus lábios entreabertos deixaram escapar uma palavra, que foi repetida muitas vezes.
-- Livre, Livre, Livre.
O olhar vazio e aterrorizado se foi. Seus olhos tornaram-se alertas e brilhantes. Sua pulsação era rápida e seu sangue fervia, relaxando cada parte do corpo.
Ela não queria saber se aquilo era ou não uma enorme alegria que a envolvia. Com uma percepção clara e exaltada, ela descartou essa possibilidade. Ela sabia que choraria de novo quando visse aquelas mãos delicadas e generosas recolhidas em seu leito de morte, aquele rosto que nunca ficara bem com outro amor além do dela, que agora estava imóvel, pálido. Mas ela enxergava muito além daquele momento de dor; um longo período de anos que pertenceria somente a ela. Com isso, a sra. Mallard abriu os braços para dar-lhes as boas-vindas.
Não haveria mais a quem se dedicar: ela viveria somente para si. Não haveria outro desejo além do dela competindo para ser realizado, como acontece com homens e mulheres que acreditam ter o direito de impor o seu próprio desejo ao do companheiro. Tenha ocorrido o fato por boa ou má intenção, este lhe pareceu um crime como outro qualquer até mesmo naquele momento de luz.
E, ainda assim, ela o amara... algumas vezes. Freqüentemente, não. O que isso importava?! O que o amor, o maior dos mistérios, poderia valer naquele momento de auto-afirmação, que reconheceu ser o mais forte impulso de sua vida.
-- Livre! De corpo e alma, livre! – ela continuava a sussurrar.
Josephine estava ajoelhada do outro lado da porta, com os lábios grudados na fechadura, implorando para entrar.
- Louise, abra a porta! Eu lhe imploro! Abra a porta! Você vai fazer mal a você. Louise, o que você está fazendo? Pelo amor de Deus, abra a porta!
- Deixe-me! Eu não estou me fazendo nenhum mal! – Não, ela estava bebendo o elixir da vida através daquela janela aberta.
Sua imaginação corria solta sobre aqueles dias que viriam. Dias de primavera, verão... todos os dias seriam só dela. Ela pediu rápido e baixinho que sua vida fosse longa. Ontem mesmo, ela pensara, com um jogo de ombros, que sua vida poderia ser longa.
Levantou-se e abriu a porta para a sua irmã entrar, depois de tanto importunar. Havia um brilho de vitória em seu olhar e ela se portava como uma verdadeira vencedora. Ela abraçou a cintura da irmã e, juntas, desceram a escada. Richards estava esperando por elas ao término dos degraus.
Alguém estava abrindo a porta da frente com a chave principal. Era Brently Mallard, quem chegara - um pouco sujo e amassado pela viagem, carregando o seu saco de roupas e um guarda-chuva. Ele esteve longe do local do acidente e nem sabia que tinha ocorrido um. Impressionou-se com o choro convulsivo de Josephine e o movimento rápido de Richards para escondê-lo da esposa.
Mas Richards demorou muito.
Quando os médicos chegaram, falaram que ela morrera do coração, de tanta emoção.
Minha opinião:
A ironia de um destino, assim
poderíamos começar a falar do texto da escritora Kate Chopin “ The Story of na
Hour”. Mas a verdade é que nesse texto magnífico, não há somente isso. Nas
linhas muito bem elaboradas, com frases excessivamente reflexivas, Chopin
aborda o tema da sociedade patriarcal ao
qual a personagem está inserida
A autora consegue entrar na mente
do personagem e narra por ele de uma maneira que agrada o leitor. Isso não é
muito fácil de fazer, principalmente se levamos em conta que há dois processos
narrativos no texto: um ela narra a situação, outro ela narra os sentimento da
personagem- aquilo que está passando dentro da sua alma. Na minha opinião, o
que eu achei muito interessante é que a autora além de mudar o enfoque, ela não
se mete dando opinião, apenas narra o que está passando dentro da personagem.
Eu achei magnífico, porque apenas nós leitores, sabemos o real motivo da morte
da personagem. Todos os outros envolvidos na trama não sabem. Apenas nós e a escritora.
No momento em que ela diz “
Livre, livre, livre.”- podemos
compreendê-la, pois ela vivia em uma sociedade em que mesmo que o esposo a
respeitasse, mesmo que ele não fosse agressivo, ela sempre teria de baixar a
cabeça. Sempre. Ela como um Ser, não tinha liberdade. Na casa dos pais,
obedecia e cuidava do pai, só saiu de casa para o casamento, passou a obedecer
e cuidar do esposo. Vivia como todas as outras mulheres, uma vida passiva e
submissa. É interessante, pois sabemos que aquilo a molestava, por
que foi a primeira coisa que sentiu: liberdade. A falta disso, a sufocava,
provavelmente.
É um texto rico, psicologicamente
e historicamente.
Marli Carmen.
Gostaram?
Gostaria de saber a opinião de vocês.
Beijos
que lirismo lindo... eu adorei o desfecho querida.... e sua opinião muito bem escrita, hein:
ResponderExcluir?
beijos
Muito bonito!
ResponderExcluirAmei o texto!
Bjinhos Marli XD
Boa noite Marli,
ResponderExcluirComo sempre seus textos são maravilhosos, nós sempre aprendemos com eles...parabéns....abçs.
http://devoradordeletras.blogspot.com.br/
Marli querida!
ResponderExcluirFiquei comovida, ultimamente ando me emocionando com facilidade.
Parabéns pela escolha do texto traduzido e por sua opinião pertinente.
cheirinhos
Rudy